8/5/2009
Na última segunda-feira, os jornais noticiaram que o MEC pretende alterar o currículo do ensino médio, acabando com sua organização por disciplinas. A proposta do Governo é distribuir o conteúdo das atuais 12 matérias em quatro grupos: Línguas, Matemática, Humanas, Exatas e Biológicas. O Ministério justifica tal mudança sob o argumento de que o currículo hoje é muito fragmentado, e o aluno não vê aplicabilidade no programa ministrado, o que reduz o interesse do jovem pela escola e a qualidade do ensino.” Essa é mais uma proposta que reforça a convergência das políticas educacionais do governo Lula com as de FHC e dos Governos Estaduais tucanos. Estamos vivenciando ações semelhantes a essa no Estado de São Paulo, onde o Governo Serra vem impondo uma proposta curricular que retira completamente a autonomia da escola, tanto no aspecto organizativo quanto no didático, transformando professores em meros executores de atividades e transmissores de conteúdos apostilados, rígidos e descontextualizados e que reduz a formação de nossos estudantes à preparação para provinhas, provões e toda a ordem de testes e exames.Ao propor essa mudança na forma de organizar os conteúdos sem debater amplamente com todos os setores envolvidos e numa perspectiva de resolver problemas pela imposição de modelos, o MEC desconsidera que o currículo escolar é o resultado de uma construção social que diz respeito a práticas, saberes, vivências, elementos da cultura global e ao contexto no qual a escola está inserida, indo, portanto, muito além da simples seleção e agrupamento de conteúdos.Sem dialogar com aqueles que são os responsáveis pelo currículo vivo no cotidiano escolar, essa proposta se tornará uma medida meramente burocrática, incapaz de se enraizar nas práticas escolares e muito menos de avançar na solução dos problemas relacionados à qualidade do ensino.Mas esse é apenas um aspecto do problema, pois é mais uma medida fragmentada, que trata a questão curricular de forma isolada, ao invés de compreender o assunto a partir de um projeto de educação nacional, de um projeto que articule e integre os diferentes elementos que compõem o sistema educacional. Como a União não pode impor o sistema, pois os Estados são os responsáveis por esse nível de ensino, a proposta será implantada através de incentivos financeiros e técnicos e deveráse valer de instrumentos baseados em exames, como Prova Brasil, ENEM e o novo sistema de vestibular para forçar a reorganização das redes segundo o novo modelo.Mais uma vez o Governo prioriza a organização de um sistema de avaliação em vez de assumir a construção de um Sistema Nacional de Educação, reivindicação histórica dos movimentos em defesa da escola pública.Esse ajuntamento de conteúdos em novos grupos não ataca problemas cruciais de nossas escolas: a superlotação das salas de aula, a falta de equipamentos, a falta de pessoal de apoio, os baixos salários e ausência de carreiras estruturadas para os profissionais, a falta de qualidade nos cursos de formação de professores, a insuficiência dos recursos financeiros, a falta de autonomia, entre outros. Ao contrario, avança num modelo de escola voltadopara atender a demanda de avaliações externas e processos vestibulares, dentro de uma lógica meritocrática e competitiva que inegavelmente pressupõe a desigualdade e a exclusão de grande parte da população, aos moldes da visão do mercado.Essa fragmentação das ações e projetos fica ainda mais evidente quando o Governo propõe medidas como essa e as mudanças propostas para o vestibular e, ao mesmo tempo, tardiamente, inicia o processo de construção de uma Conferência Nacional de Educação, que teoricamente deveria ser o momento central na definição de um projeto para a educação nacional. Como ficam os apelos para que a sociedade tome parte de um processo real de construção de um sistema e de planos para a educação nacional? Isto é muito contraditório e nos leva e questionar o quanto a sociedade organizada poderá,de fato, intervir na definição das políticas educacionais a partir da Conferência Nacional de Educação.Esse modelo fragmentado, imposto de forma arbitrária, vem sendo levado a cabo há quase 2 décadas no Brasil, e seus resultados já deixaram clara sua ineficácia e incompetência para garantir a necessária qualidade na educação brasileira.A questão que se coloca como maior justificativa para essa proposta é a necessidade de integração entre as diversas áreas do conhecimento para dar um sentido prático e concreto aos conteúdos ensinados. Ora, isso não traznenhuma novidade. Já de muito tempo essa necessidade se apresenta nas produções acadêmicas, em pesquisas e estudos, mas principalmente na organização dos projetos político-pedagógicos da grande maioria das escolas, que se esforçam para desenvolver um trabalho interdisciplinar que mantenha relação direta com o cotidiano dos alunos.Mas que condições foram dadas às escolas para que isso ocorresse? Como os professores podem organizar-se coletivamente para dar conta dessa tarefa, se trabalham em várias escolas? Como desenvolver projetos a médio e longo prazo, se existe alta rotatividade de profissionais a cada ano letivo? Como articular os conhecimentos entre as diversas disciplinas, se os professores não têm garantido o tempo de trabalho pedagógico coletivo? Como ele pode desenvolver um projeto,se o seu tempo é ditado por uma série de provas e exames, que o obrigam a transformar suas aulas em treino para provinhas? Como articular as diferentes áreas do conhecimento, se éobrigado a utilizar apostilas que desconsideram a diversidade e as diferenças regionais?É importante, sim, uma ampla e aprofundada discussão sobre o currículo de nossas escolas, mas isso não pode ocorrer de forma isolada da discussão de todos os outros aspectos de um verdadeiro projeto de educação para o Brasil, e principalmente não podemos nos calar diante dessas ações que tentam achar soluções mágicas para os problemas da educação, sempre de forma fragmentada, ao mesmo tempo em que evitam tocar em questões cruciais como financiamento, a responsabilidade do Estado e a garantia da educação como um direto de todos.
Fonte: www.ivanvalente.com.br
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